Ao contrário do que seria esperado, a criação de uma base de ADN com amostras de condenados não terá um efeito dissuasor na criminalidade. “Vai-nos tomar mais espertos” disse a maioria dos reclusos entrevistados por Helena Machado professora na Universidade do Minho, para o estudo internacional “Tracing Technologies Prisoners’Views in the Era of CSI”.
O trabalho recolheu entrevistas de 57 reclusos de três prisões de Portugal e duas da Áustria, condenados por diversos crimes, nomeadamente fraude qualificada, homicídios, crimes sexuais, roubos e furtos e tráfico de droga E incidiu sobre a posição dos reclusos face à tecnologia atualmente existente, que permite recolher e tratar vestígios de ADN. “A ideia que os reclusos me transmitiram é que, perante as possibilidades tecnológicas, o crime organizado e premeditado terá maiores cautelas, para não deixar qualquer vestígio na cena do crime.”
“Os reclusos não acreditam que a criação de grandes bases de dados com informação genética de suspeitos e de condenados possa vir a diminuir a criminalidade”, acrescentou. O mesmo, salientou Helena Machado, não se passará com o chamado criminoso comum. “Este age por impulso, pela necessidade imediata, não têm tempo nem consciência para preparar o crime.”
Para além da despreocupação quanto à recolha de vestígios de ADN, os reclusos entrevistados pela investigadora do Instituto de Ciência Sociais da Universidade do Minho manifestaram ainda uma preocupação: que os vestígios de ADN guardados nas bases de dados sejam”utilizados pelos policias para plantar provas”.
“Não foi uma preocupação exclusiva dos reclusos portugueses. Na Áustria, onde também foram realizadas entrevistas, o mesmo receio foi manifestado”, adiantou ao DN Helena Machado, acrescentando que nos Estados Unidos “já há prova” de tal ter acontecido.
Do outro lado — polícias e magistrados —, a investigadora recolheu a garantia de que a prova do ADN, por si só, não basta: “Atualmente, os investigadores estão muito pressionados pela realidade do CSI’ de que basta um cabelo para se descobrir o criminoso. Porém, não é bem assim: todos asseguraram que, em Portugal, os vestígios de ADN até nem são considerados fundamentais, sendo completados com outras provas, como impressões digitais, testemunhais e outras recolhidas pela investigação.”
As entrevistas a polícias e magistrados serão publicadas num segundo livro.
PERFIL
Investigadora da sociologia do crime
Helena Machado é professora e diretora do mestrado Crime, Diferença e Desigualdade, do Departamento de Sociologia da Universidade do Minho. É autora de diversos trabalhos sobre os Impactos políticos, sociais e culturais da utilização de tecnologia de ADN com objetivos forenses e coordenadora de projetos Interdisciplinares sobre a área. Já publicou Manual de Sociologia do Crime e Justiça, Direito e Média. Tópicos de Sociologia. Publicou ainda vários artigos sobre as Implicações éticas e sociais da utilização de Informação genética em sede de Investigação criminal.