A nova base de dados de ADN está a gerar dúvidas entre investigadores. Há quem não saiba se pode continuar submeter meros suspeitos de crime a testes genéticos. O Código de Processo Penal permite fazê-lo, mas a lei que instituiu a base de dados não.
“É um presente envenenado”, desabafou uma procuradora, num debate do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, a semana passada, em Anadia, ao referir-se à lei que fixa os princípios da criação e manutenção da base de dados de perfis genéticos, para efeitos de identificação civil e investigação criminal.
Este diploma (Lei nº 5/2008), cujos efeitos começam agora a fazer-se sentir, porque a base de dados só começou a funcionar há um mês, determina que a colheita de amostras de ADN em investigações criminais apenas pode ser feita em arguidos, a pedido destes ou por ordem de um juiz. Já o Código de Processo Penal (CPP), aprovado em 2007, também permite fazer aquele tipo de testes (artigos 171 e 172) em indivíduos que só têm estatuto processual de suspeito, bastando para tanto a decisão de um procurador do MP
“Até que ponto a lei [da base de dados] veio limitar a investigação criminal? “, questionou, em Anadia, o próprio presidente do Conselho de Fiscalização da Base de Dados de perfis de ADN, o juiz conselheiro Simas Santos. As opiniões dividem-se.
Alguns magistrados assumem que a Lei é “restritiva” do que permite o CPP. São da opinião, contrária aos seus interesses, de que aquele diploma regula tudo o que tem que ver com recolha de amostras de ADN e, nesse sentido, não é mais possível submeter suspeitos não arguidos a esse tipo de testes. “Não há margem para colher amostras de pessoas que não tenham o estatuto de arguido”, afirmou também, no debate referido, o director do Laboratório de Polícia Científica, Carlos Farinha
Já o Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), responsável pela gestão da base de dados, interpreta de maneira diferente o conflito entre o CPP e a Lei n° 5/2008. Francisco Corte Real, vogal da sua direcção, defende que as autoridades judiciárias podem ordenar a colheita de amostras biológicas de suspeitos, à luz do CPP, desde que o façam sem o propósito de inserir os respectivos perfis genéticos na base de dados. Mas, como afirmou ao N admite interpretações divergentes e aguarda uma decisão definitiva do Conselho de Fiscalização da Base de Dados Genéticos.
Este conselho está a analisar a questão, neste momento, e conta dar a sua resposta brevemente, declarou ontem Simas Santos. Enquanto não o faz, o INML continua a colher amostras de ADN de suspeitos, quando o MJ lhas requer, apesar dos riscos de o Conselho de Fiscalização tomar uma decisão desfavorável e de os advogados virem a requerer a nulidade de tais provas.