A base de dados criada há dois anos para guardar os perfis de ADN dos criminosos condenados ainda não tem um único registo. Os juízes e a PJ consideram que a lei do Governo, demasiado restritiva, falhou. O executivo entende que o processo está bem assim.
A base de dados que o Governo criou no início de 2008 para guardar os perfis de ADN dos criminosos condenados não tem um único registo. Quando foi anunciada, o executivo estimou que, até ao fim deste ano, houvesse, pelo menos, seis mil entradas. É esse o número de condenados a penas de mais de três anos de prisão que, em média, dão entrada anualmente nos estabelecimentos prisionais, cuja informação genética a lei autoriza que seja introduzida na base.
No entanto, o ADN dos criminosos cai a conta-gotas: apenas 23 pedidos de registo de perfis foram recebidos e estão, nesta altura, a ser analisados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), entidade responsável por este banco de dados. Segundo fonte oficial, destes 23, há cinco que são de cadáveres não identificados - outra das funções desta base de ADN -, sendo os restantes de condenados por crimes de homicídio, crimes sexuais e roubos violentos.
Portugal foi o último país da Europa a criar este banco, anunciado com pompa e circunstância pelo Governo como um importante instrumento de combate à criminalidade, pois permitiria identificar ou inocentar suspeitos, pela comparação de vestígios encontrados nos locais do crime com os perfis registados. Mesmo sendo o último, começa a falhar o primeiro ensaio.
A legislação, proposta pelo anterior ministro da Justiça Alberto Costa e aprovada no Parlamento com votos a favor do PS e do PSD, faz depender o registo do ADN do condenado da autorização, expressa na sentença, do juiz de julgamento e esse é, do ponto de vista dos especialistas ouvidos pelo DN, o grande obstáculo à utilidade desta ferramenta.
Carlos Farinha, do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária (PJ) , não tem dúvida de que a lei "deve ser revista". "O modelo de introdução de perfis é um caminho estreito e o resultado é insuficiente", diz este alto responsável. Salienta que houve, nos últimos tempos, "um inequívoco aumento da capacidade de recolha de vestígios" e que "isso pressupunha um crescimento idêntico na capacidade de comparação na base de dados. E isso não tem acontecido. O resultado é insuficiente".
Para o director do "CSI" da PJ, "a nossa lei é das mais, se não a mais, restritivas da Europa" e defende uma "simplificação dos procedimentos de registo". Lembra que "a própria lei permite reajustes" e que "é este o momento para fazer os ajustes necessários para que a base de dados de ADN tenha a eficácia desejada".
António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes, concorda e defende até que o registo do ADN dos condenados seja "automático como acontece com o simples registo criminal", principalmente "nos crimes mais violentos em que o ADN é um meio de prova". António Martins lamenta que não haja "responsabilização política por leis ineficazes como esta que descredibilizam a justiça".
O Ministério da Justiça remete para o responsável do banco de dados, no INML, a posição política sobre a polémica. Francisco Corte-Real, especialista em genética forense, lembra que a lei "foi submetida a uma ampla discussão" e que "houve partidos (PCP e BE) que votaram contra por recearem que pudesse violar direitos fundamentais".
Corte-Real não vê "vantagem em mudar a lei agora" e entende que "o processo está a decorrer com normalidade". Sustenta que "o Instituto quer segurança nos resultados". Prefere "ir devagar, garantir que tudo corre bem" e ganhar a "confiança do público".
Fonte: Diário de Notícias