Estrutura dependente do Instituto Nacional de Medicina Legal tem 30 funcionários e dois sequenciadores que custaram um milhão de euros.
O instrumento que prometia diminuir os crimes que ficam por resolver em Portugal ainda está longe de conseguir cumprir o objectivo. Na base de dados de ADN criada em 2008 há apenas dez perfis inseridos e 70 pedidos à espera. O coordenador desta estrutura, sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), não está preocupado com a lentidão de um processo que chegou a prever a recolha de seis mil amostras por ano. "Não estamos numa corrida. Não temos de dar provas a ninguém", responde Francisco Corte-Real.
O decreto-lei foi publicado em Fevereiro de 2008, a regulamentação saiu no final desse ano e, em Fevereiro de 2010, foi inserido o primeiro registo - resultado de uma colheita de uma amostra não identificada de um crime sexual. Hoje há dez perfis inseridos com os respectivos dados pessoais e 70 pedidos à espera na base nacional de dados genéticos para identificação civil e criminal. Há apenas um perfil no ficheiro civil (os voluntários que queiram integrar a sua "impressão digital genética" têm de pagar 560 euros) e os restantes são resultado de um despacho de um juiz, previsto na lei.
"Está a funcionar normalmente", considera Francisco Corte-Real, explicando que nestes dois anos fez-se a regulamentação da lei, estabeleceu-se a portaria com os marcadores a utilizar, instalou-se o sistema informático (Programa CODIS) adquirido ao norte-americano FBI, dois profissionais da equipa do INML foram aos EUA para formação, conseguiram-se fundos europeus para adquirir dois sequenciadores "do melhor que há". E agora? "Não temos pressa. Todas as semanas chegam pedidos. O nosso objectivo é responder a todos os pedidos com o máximo de segurança. Não pode haver uma única falha."
Sobre as expectativas de recolha de seis mil amostras por ano, Corte-Real nota que esse número foi calculado tendo como referência todos os crimes que se enquadram nos critérios previstos na lei mas nem todos os juízes requerem a recolha da amostra. Aliás, ainda poucos o fizeram.
O regime jurídico refere que a base pode ser usada para a "identificação de desaparecidos, de delinquentes, exclusão de inocentes, interligação entre diferentes condutas criminosas, colaboração internacional em processos de identificação, contribuindo para dissuasão de novas infracções". O ficheiro para investigação criminal contém "perfis de ADN de pessoas condenadas por crime doloso em pena concreta de prisão igual ou superior a três anos, e desde que haja despacho do juiz". Para o geneticista António Amorim, a eficácia e utilidade desta base de dados está comprometida pelos limites no tipo de crime e por depender de um despacho de um juiz e só será possível com milhares de perfis. Além disso, nota o especialista, este sistema "não é economicamente rentável". A solução passaria por "perder o medo e liberalizar a inclusão na base, tornando-a universal e assegurando, desta forma, o princípio de igualdade".
Presos questionam eficácia do sistema
Os reclusos de três estabelecimentos prisionais, sujeitos a entrevistas de profundidade por uma equipa de investigadores, não acreditam no potencial de prevenção da criminalidade da base de dados de ADN. Porém, não querem abdicar de um eventual potencial inocentador que este sistema pode revelar. Helena Machado, investigadora da Universidade do Minho, orientou um projecto do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra que quis avaliar a percepção que os prisioneiros têm da base de dados genéticos.
O trabalho já está concluído mas ainda não foi publicado. Para já, Helena Machado não quantifica as conclusões, adiantando apenas que foram entrevistados 31 reclusos com diferentes tipos de condenação, desde os cinco meses a pesadas penas de 25 anos por homicídio. "Era importante saber a opinião dos reclusos. Percebemos que a esmagadora maioria não acredita no potencial de prevenção da criminalidade. Ou seja, consideram que a existência desta base não tem um efeito dissuasor", refere Helena Machado. Mas há mais pontos de discórdia. À semelhança do que acontece no registo criminal, a lei determina que os perfis inseridos na base de dados são eliminados na mesma data em que se tenha procedido ao cancelamento definitivo da respectiva sentença no registo criminal. Uma medida que se acreditava ser capaz de potenciar a reinserção social dos ex-reclusos. Mas os presos entrevistados pela equipa de Helena Machado não concordam. Aliás, a maioria dos condenados revelou que preferia que os dados não fossem removidos pelo seu potencial inocentador. Segundo argumentam, a possibilidade de recorrer a estes dados para descartar eventuais suspeitas em crimes similares poderia ser útil para provar a inocência. Os entrevistados admitiram ainda ter medo do mau uso deste instrumento.
Conselho Fiscalizador vai pedir revisão da lei
Desde o início do processo de criação da base de dados de ADN que se ouvem reservas sobre a eficácia de um sistema apoiado em regras demasiado restritivas e sobre eventuais contradições legais com o Código de Processo Penal.
Questões que o Conselho Fiscalizador, presidido pelo juiz conselheiro jubilado Simas Santos, está a analisar e que este ano vão motivar uma proposta de revisão da lei sobre a base de dados. No rol de críticas há ainda quem aponte ao pormenor de se pedir ao juiz para "requerer" a recolha da amostra. "O juiz não requer, ordena. Isto é inconstitucional", aponta Rui Cardoso, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
Fonte: Público