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Basede dados de ADN só foi usada oito vezes
Monday 19th of March 2012
Author: Valentina Marcelino
Photo: AlgarvePhotoPress/Global Imagens
Published in: Diário de Notícias

O provérbio “dar pérolas a porcos” assenta como uma luva na caracterização da forma como a Base de Dados de ADN, criada em 2008, está a ser utilizada na investigação criminal e na identificação de suspeitos em Portugal. Os números falam por si: desde que foi criada, há quatro anos, só foi usada oito vezes para fins de investigação criminal. Tantas quanto o número de vestígios de suspeitos desconhecidos que foram ali introduzidos para serem cruzados com os perfis de ADN de condenados que já estão na base de dados, apresentada como uma “revolução” no combate à criminalidade.

Isto apesar de haver na Judiciária mais de 2000 amostras de identidade incógnita, recolhidas em cenas de crimes não resolvidos, à espera de uma decisão do procurador-geral da República (PGR), Pinto Monteiro, para serem transferidas para a Base de ADN, localizada no Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), em Coimbra.

Mas os números que retraíam a indiferença com que a justiça e a polícia têm recorrido a este instrumento (que em países como o Reino Unido aumentaram em 75% a identificação de criminosos) não se ficam por aqui. Apesar de a lei determinar que todos os condenados a penas de prisão iguais ou superiores a três anos emmédia seis mil por ano – devem ter o seu perfil ADN inserido, os tribunais apenas deram essa ordem para escassos 448 casos. Ou seja, fazendo as contas apenas aos últimos dois anos (foi em 2010 que o primeiro perfil foi introduzido) , a base devia ter sido alimentada com, pelo menos, 12 mil perfis de condenados. Porém, as iniciativas dos juizes não foram além dos 3,75% do expectável.

Perante isto, o presidente do Conselho de Fiscalização da Base da Dados diz que “começa a ficar em causa a legitimidade constitucional” deste equipamento. “Os condenados que têm o seu perfil na base estão a ser discriminados nos seus direitos liberdades e garantias em relação ao outros que o deviam ter e não têm. Há uma compressão injustificada de direitos, uma vez que a base não é eficaz”, disse ao DN o juiz conselheiro Simas Santos.

O magistrado lembra que “só sendo eficaz se justifica constitucionalmente a existência deste tipo de base de dados” e “a sua eficiência é tanto maior quanto maior for o número de registos identificados inseridos, para que se possa fazer o cruzamento com os desconhecidos”.

Prova disso foi o facto de, apesar de tão reduzido número de perfis, das escassas oito vezes em que foi feita uma busca, houve uma identificação positiva.

Simas Santos lamenta que estejam 2086 perfis de ADN na PJ desde 2008 sem serem cruzados na base para verificar se algum é de um dos condenados que já estão inseridos. “Fomos consultados pela PJ e pelo PGR e dissemos, em janeiro de 2011, que o Conselho não via qualquer obstáculo”, sublinha o juiz. “A urgência nesta transferência é enorme, pois são crimes por resolver”, assevera.

Estes perfis foram retirados em locais de crimes entre 2002 e 2007, e quando foi criada a base de dados, em 2008, ficaram a aguardar ordem para serem transferidos para o INML. Contudo, apesar da aprovação do Conselho de Fiscalização, ainda falta o PGR dar luz verde. “A questão está a ser objeto de cuidado estudo, atenta a importância da questão. Só depois de concluído, e de acordo com a respetiva conclusão, o senhor PGR tomará a competente decisão”, garantiu ao DN fonte oficial do gabinete de Pinto Monteiro.

Da parte do INML, o diretor da base de dados, Francisco Corte-Real, garante que “está tudo preparado ao mais alto nível”, lembrando que peritos da União Europeia (UE), em auditoria, a “aprovaram com distinção, dando autorização para que fosse ligada às outras bases dos Estados membros da UE”.

Perfis voluntários na base de dados

Qualquer pessoa pode pedir para ser inserido na base de dados de ADN. Além do ficheiro para efeitos de investigação criminal, está criado outro para fins de identificação civil, que pode incluir pessoas desaparecidas.

- O que está na base de dados da ADN?

- Os últimos dados do INML, atualizados no passado dia 13, indicam que estão inseridos quatro perfis de ADN de voluntários, uma amostra-problema civil (um perfil ADN de que desconhece a identificação), oito amostras-problema criminais (de suspeitos desconhecidos) e 448 perfis de condenados.

- Quanto custou?

- O INML afirma que não houve custo direto: o programa CODIS (que administra informaticamente a base de dados) foi oferecido pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) e o programa dos dados foi desenvolvido por técnicos do próprio INML. No entanto, o Instituto conseguiu um financiamento europeu de cerca de 800 mil euros, para adquirir novos equipamentos e reforçar as capacidades dos seus laboratórios.

- Como e quem fiscaliza?

- É o conselho de fiscalização da base de dados de ADN, nomeado pela Assembleia da República, presidida pelo juiz conselheiro Simas Santos. Mas apesar de estar ativa desde 2008, controlando a base e emitindo pareceres, está formalmente “ilegal”, pois a sua lei orgânica ainda não foi aprovada. Simas Santos tem invocado o “forte constrangimento no exercício” das funções do Conselho essa falha. O deputado Fernando Negrão, que preside à 1.ª comissão, garantiu ao DN que o assunto será tratado “em breve”.

- As polícias têm acesso direto?

- Por incrível que pareça, não. Nem sequer a Polícia Judiciária, cujo Laboratório Científico está capacitado para fazer a recolha de perfis e a sua comparação. Com a entrada em funcionamento da base de dados de perfis de ADN no INML, a PJ deixou de fazer comparações diretas. Para o conseguir tem de esperar por um despacho do Ministério Público e pedir ao INML.

Governo indiferente a vários apelos de alteração à lei

Impasse. Uma lei restritiva e os preços exorbitantes que são cobrados pelo INML para a recolha de pefis de ADN são apontadas como causas da fraca utilização da base de dados

Dificilmente um Governo reuniria tanto consenso à volta de uma medida, como o que está formado relativamente à necessidade de dar um forte impulso na utilização da base de dados de ADN, principalmente na investigação criminal. Juizes, procuradores, conselho de fiscalização, polícias e o presidente da primeira comissão parlamentar apelam à necessidade urgente de alterar a lei. Mas, curiosamente, perante esta ‘onda’, o Ministério da Justiça fica em silêncio. Questionado pelo DN desde dia 9 deste mês para assumir uma posição sobre o funcionamento da base de dados de ADN, não respondeu.

Para recolher o ADN de um condenado ou suspeito é necessário um despacho do tribunal ou, em fase de inquérito, do Ministério Público, o que coloca Portugal entre os países da UE mais restritivos na constituição da base de ADN e dos mais protetores de direitos e garantias dos condenados.

Como se não bastasse a exigência da lei, os magistrados têm dela interpretações diversas e esta é uma das razões que o presidente do conselho de fiscalização da base de dados de ADN aponta para o reduzidíssimo número de perfis de condenados que são mandados inserir pelos tribunais. “Há juizes que entendem que não é obrigatório que o perfil de ADN do condenado seja enviado para a base de dados”, o que, de facto, não está expresso na lei, mas implícito. Por outro lado, acrescenta Simas Santos, “os preços cobrados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal para fazer as recolhas das amostras são brutais, cerca de 200 euros, o que para os tribunais, em tempo de crise, é um obstáculo”.

O juiz-conselheiro Simas Santos pediu uma audiência à ministra da Justiça, Paulo Teixeira Santos, em outubro de 2011, que ainda não obteve resposta.

O presidente do Sindicato dos Juizes, António Martins, com a salvaguarda que “não se conhecem com exatidão e rigor as razões porque os juizes não mandam inserir os perfis”, considera, de qualquer maneira que “é mais que hora de se fazer uma avaliação desta lei. É fundamental”.

No mesmo sentido está Rui Cardoso, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que alerta para a “excessiva morosidade do processo de recolha e inserção dos perfis”, em nada compatível com os prazos dos inquéritos”. O ex-diretor da PJ, Fernando Negrão, atual presidente da 1.ª comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, entende que “a utilização da base de dados de ADN está muito abaixo daquilo que pode oferecer à investigação criminal e a Lei tem de ser urgentemente alterada porque já se provou que, como está, não serve”. VJM.^

Sistema português pode ser ligado à rede da UE

Segurança A base de dados de ADN portuguesa, instalada no Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), em Coimbra, foi considerada apta e com as condições de segurança necessária à proteção dos ficheiros, por uma auditoria de peritos da UE.

Desde julho do ano passado que a base está “autorizada” a ser ligada às outras bases europeias, mas a falta da transposição de uma diretiva europeia de 2008, está a atrasar o processo. Este diploma, relativo ao aprofundamento da cooperação transfronteiriça, com especial enfoque no domínio da luta contra o terrorismo e contra a criminalidade transfronteiriça, obriga os Estados membros a disponibilizarem e a trocarem entre eles perfis de ADN. Contudo, Portugal está desde essa altura para transpor essa decisão para o ordenamento jurídico nacional.

No plano de atividades de 2011 da Direção-Geral de Políticas de Justiça, do Ministério da Justiça, estava este objetivo, mas não foi cumprido. Todos os grupos parlamentares foram alertados para esta situação em setembro de 2011, pelo Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN. Sem resposta.

Com a autorização da UE, Portugal fica numa situação caricata, com uma base de dados aprovada, mas sem poder cumprir compromissos com a UE no combate à criminalidade.

Ao que o DN apurou, a cooperação e troca de informação tem sido feita, mas em vez de as consultas e comparações serem automatizadas, fazem-se via fax. A base de dados de ADN está no INML com medidas de alta segurança.

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